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segunda-feira, 6 de julho de 2015

É a Associação Geral a voz de Deus?

É a Associação Geral a voz de Deus?

A autoridade das assembleias mundiais e a aparente contradição nos escritos de Ellen White
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Sede mundial da Igreja Adventista, localizada em Silver Spring, Maryland (EUA). Créditos da imagem: ANN

Os adventistas do sétimo dia creem que uma assembleia da Associação Geral tem autoridade sobre as principais demandas administrativas, doutrinárias e missionárias da igreja. Esse entendimento está diretamente relacionado à expressão “voz de Deus”, termo usado por Ellen White para se referir à função que as periódicas reuniões mundiais da igreja desempenham.
Umas das declarações mais enfáticas dela a esse respeito é a seguinte: “Quando numa Assembleia Geral é exercido o juízo dos irmãos reunidos de todas as partes do campo, independência e juízo particulares não devem obstinadamente ser mantidos, mas renunciados. […] Deus ordenou que os representantes de sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos numa Assembleia Geral, devam ter autoridade” (Testemunhos Seletos, vol. 3, p. 408, itálico acrescentado).
A declaração acima é bem clara sobre o posicionamento de Ellen White a respeito da eclesiologia adventista. Segundo ela, o próprio Deus conferiu à assembleia da Associação Geral autoridade sobre os assuntos da igreja mundial e que esses jamais devem ser substituídos por posicionamentos particulares.
No entanto, essa declaração absoluta de Ellen White parece estar em contradição com outros posicionamentos dela. Por exemplo, em 1901, ao se referir à negligência da administração geral da igreja em relação ao trabalho no sul dos Estados Unidos, ela escreveu:
“O povo perdeu a confiança naqueles que administram a obra. Contudo, ouvimos que a voz da Associação [Geral] é a voz de Deus. Cada vez que ouço isso, penso que é quase uma blasfêmia. A voz da Associação [Geral] deve ser a voz de Deus; mas não é, porque alguns ligados a ela não são homens de fé e oração, não possuem princípios elevados. Não buscam a Deus de todo o coração” (Manuscrito 37, 1901, p. 8, [abril de 1901, palestra da Ellen White na capela da editora Review and Herald acerca do trabalho no sul dos Estados Unidos], itálico acrescentado).
A forte crítica acima foi dirigida a alguns líderes da Associação Geral que, segundo ela, não buscavam “a Deus de todo o coração” e centralizavam em si mesmos o poder de decisões, especialmente no que diz respeito ao envio de recursos para regiões a serem alcançadas. Em relação à obra que Edson White desenvolveu no sul dos Estados Unidos, Roos Winkle afirma que, embora a Associação Geral a reconhecesse como responsável pela evangelização dos afro-americanos, “foi em grande parte uma obra autossustentável, teve a aprovação dos líderes da igreja, mas com o apoio financeiro direto mínimo” (The Ellen G. White Encyclopedia, p. 1.181).
Essa negligência de parte do staff da Associação Geral levou Ellen White a criticar fortemente a administração da época e não permitir que houvesse confusão a respeito do que, de fato, deve ser considerado como a “voz de Deus”. Para ela, as decisões daqueles líderes autoritários e sem visão missionária não podiam representar a vontade de Deus (The Ellen G. White Encyclopedia, p. 1255).
Em nenhum momento, nessa passagem e em outras em que crítica semelhante é feita por ela, estão em pauta as decisões de uma assembleia geral, mas, sim, os posicionamentos arbitrários de líderes isolados. A maior parte das críticas contundentes de Ellen G. White à Associação Geral nas quais ela nega que esta seja a “voz de Deus” está relacionada ao modelo administrativo que perdurou na denominação até a reforma de 1901/1903. Seus posicionamentos agudos tinham como propósito encorajar importantes mudanças estruturais na igreja.
De acordo com Winkle, “essas avaliações negativas a respeito da Associação Geral […] não foram substancialmente retificadas até as assembleias gerais de 1901 e 1903. A centralização da autoridade e poder real, combinada com a má gestão financeira e a ausência da voz de Deus refletida em verdadeira espiritualidade na vida de alguns em posições elevadas, foram algumas das razões que ela deu para essas declarações afiadas” (The Ellen G. White Encyclopedia, p. 1255).
Entretanto, Winkle afirma que, no mesmo período em que Ellen White criticou de forma mais intensa a Associação Geral, ela se manteve submissa à administração da igreja. “No que diz respeito a sua mudança para a Austrália em 1891, ela escreveu que não tinha recebido nenhuma ‘clara luz’ se devia ir […], mas seguiu a ‘voz da Associação [Geral]’ (19MR 228). Em 1896, ela escreveu para seu filho Edson: ‘Não tive nenhum raio de luz de que ele [o Senhor] tenha me enviado a este país [Austrália]. Eu vim em submissão à voz da Associação Geral, à qual eu sempre tenho me mantido sob a autoridade’” [1MR 156]. Winkle acrescenta que, após a reforma administrativa de 1901/1903, Ellen White chegou a repreender seu filho Edson por usar seus testemunhos mais agudos, anteriores a 1901, contra a Associação Geral (The Ellen G. White Encyclopedia, p. 1255).
A postura crítica da mensageira de Deus era claramente dirigida contra certas atitudes de alguns líderes que, segundo sua visão, estavam em desarmonia com os princípios da Bíblia e atravancavam o crescimento da igreja. Seu desejo, no fim do século 19 e início do século 20, era de que ocorresse urgentemente uma reforma administrativa, para que o cumprimento da missão se tornasse possível.
Porém, embora sempre reafirmando sua visão contrária a posicionamentos estritamente particulares, ela em nenhum momento negou a autoridade das decisões tomadas em uma assembleia geral. Para deixar isso claro, afirmou:
“Por vezes, quando um pequeno grupo de homens, aos quais se acha confiada a direção geral da obra, tem procurado, em nome da Associação Geral, exercer planos imprudentes e restringir a obra de Deus, tenho dito que eu não poderia por mais tempo considerar a voz da Associação Geral, representada por esses poucos homens, como a voz de Deus. Mas isto não equivale a dizer que as decisões de uma Associação Geral composta de uma Assembleia de homens representativos e devidamente designados, de todas as partes do campo, não deva ser respeitada. Deus ordenou que os representantes de sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos numa Associação Geral, devam ter autoridade” (Testemunhos Seletos, v.3, p. 408, itálico acrescentado).
Ellen White entendia que a manifestação da vontade de Deus não pode ser possível enquanto opiniões pessoais e apaixonadas têm supremacia na igreja. Suas declarações críticas iam contra posturas particularistas e autoritárias. Ela entendia que o crescimento impunha compartilhamento de responsabilidades e de poder de decisão. Para ela, a igreja é um organismo mundial e não está restrita a uma área do planeta. Em relação aos rumos da igreja, definidos em uma assembleia da Associação Geral, podemos dizer como Davi: “Por toda a terra se faz ouvir a [voz de Deus]” (Sl 19:4).

Vinícius Mendes é pastor, mestre em Literatura e editor de livros na CPB

http://www.revistaadventista.com.br

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