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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Somos a geração que celebra sua própria ignorância

Fonte - http://www.hermesfernandes.com













Por Hermes C. Fernandes

Sob Josias, Judá experimentou um genuíno reavivamento espiritual, sem precedentes na história de Israel.

Com a morte de seu pai Amom, Josias assumiu precocemente o trono de Jerusalém aos oito anos. Provavelmente tenha sido uma espécie de marionete durante seus primeiros anos de reinado. Mas aos dezesseis, algo inusitado aconteceu. O texto bíblico se limita a dizer que Josias “começou a buscar o Deus de Davi” (2 Cr.34:3). Não sabemos ao certo o que o levou a isso. Talvez, de tanto ouvir histórias sobre as proezas de Davi, Josias tenha se despertado a buscar o Deus a que ele servia. Mas o inesperado despertamento deflagrou uma série de eventos que provocaria uma profunda reforma espiritual em todo o Israel.

Sempre que alguém começa a buscar a Deus, coisas começam a acontecer. Seu súbito fervor espiritual fez com que Josias percebesse que algo estava errado na religiosidade popular de sua época. Judá e todo o Israel haviam se corrompido de tal maneira, que abandonaram o Deus de seus pais, para adorar os ídolos das nações. Esta corrupção começou ainda com Salomão, que permitira o culto aos deuses das mulheres que desposara de outros povos. Toda a sabedoria daquele rei não o impediu de tamanha tolice. Sorrateiramente, o culto aos ídolos se instalou em Israel, substituindo a adoração ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

À medida que Josias buscava a Deus, se enojava de tudo aquilo. Se Israel quisesse voltar aos tempos áureos, teria que abandonar a idolatria, e buscar a Deus. Por isso, Josias empreendeu uma purificação nos territórios de Judá. “Sob sua direção foram derrubados os altares dos baalins; fez em pedaços os altares do incenso, que estavam acima deles, quebrou e reduziu a pó os postes-ídolos, as imagens de escultura e de fundição...” (v.4).

Toda busca autêntica de Deus deve promover purificação em nossas vidas. Ídolos precisam ser derribados. E não me refiro às imagens de esculturas, pois as mesmas são apenas sombra dos verdadeiros ídolos que se instalam no coração humano.

A pós-modernidade tem seus próprios altares. E não se pode conciliar o buscar a Deus com idolatria de qualquer espécie. Seja sob o manto do consumismo, do narcisismo, do egoísmo, ou qualquer outro “ismo” que ocupe o lugar devido unicamente a Deus.

Depois que o terreno estava limpo, era hora de ocupá-lo com a verdadeira adoração. E não foi fácil promover aquela limpeza. Foram necessários dez anos, pois a idolatria já havia se enraizado na alma daquele povo.

“No décimo oitavo ano do seu reinado, havendo purificado a terra e a casa”, Josias enviou homens para restaurarem o templo do Senhor seu Deus (v.8).

Toda purificação deve ser seguida de ocupação. Pensamentos lascivos devem ser substituídos por pensamentos puros. Hábitos perniciosos devem ceder lugar a hábitos saudáveis. Limpar o terreno sem ocupá-lo é deixá-lo a mercê de seus antigos ocupantes. Eles certamente voltarão, como advertiu Jesus.

O culto a Deus, já há muito abandonado, deveria ser restaurado. E o primeiro passo seria reparar o templo construído por Salomão. Restaurar o templo significa reestruturar nossa espiritualidade.

Josias recrutou pessoas devidamente capacitadas para o empreendimento. Administradores, superintendentes, carpinteiros, pedreiros, engenheiros, e até músicos, se engajaram na obra.

Três etapas já haviam sido vencidas: a busca, a purificação e a restauração da vida espiritual de Israel. Mas faltavam ainda algumas importantes etapas.

Num belo dia, Hilquias, o sacerdote, tirava as ofertas do gazofilácio do templo, quando, de repente, deparou-se com algo inesperado: um livro. Quem o havia colocado ali, ninguém sabe. Mesmo sendo sacerdote, Hilquias não estava familiarizado com aquele livro. Ao abrir o rolo, percebeu que se tratava de uma relíquia: a Lei do Senhor, os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco, cuja autoria é creditada a Moisés.

Hilquias entregou o misterioso livro a Safã, que por sua vez levou-o ao rei, e leu-o perante ele.
“Ouvindo o rei as palavras da lei, rasgou as suas vestes. O rei deu estas ordens (...): Ide, consultai ao Senhor por mim e pelos que restam em Israel e em Judá, sobre as palavras deste livro que se achou. Grande é o furor do Senhor, que se derramou sobre nós, porque nossos pais não guardaram a palavra do Senhor, para fazerem conforme tudo o que está escrito neste livro” (vv.19,21).
Josias ficou notadamente consternado, pois sabia que todo o mal que acontecera ao seu povo ao longo de muitos anos, devia-se ao abandono dos princípios revelados naquele Livro. E agora, o que fazer? Consultem ao Senhor, ordenou Josias aos sacerdotes. E o que eles fizeram? Foram a uma profetiza conhecida em Jerusalém. Hulda era considerada uma espécie de porta-voz de Deus, um oráculo divino.

Mas se ela era tão íntima assim de Deus, por que não revelou a existência de tal livro? Por que manteve o povo na ignorância por tanto tempo? Por que não demonstrou qualquer incômodo com a superstição que imperava em seu povo? Tenho minhas dúvidas quanto à autenticidade de seu ministério profético.

Ao ser consultada pelos sacerdotes enviados pelo rei, Hulda profetizou:
“Assim diz o Senhor: Trarei mal sobre este lugar, e sobre os seus habitantes, a saber: Todas as maldições que estão escritas no livro que se leu perante o rei de Judá...” (v.24).
Que conveniente, não? Hulda se viu ameaçada pela redescoberta do livro. E sabe por quê? Porque construíra sua reputação em cima da ignorância das pessoas. Em vez de simplesmente opor-se ao livro, transformando-o em um rival, Hulda prefere usar outro artifício: fingir aliar-se a ele, e ao mesmo tempo, realçar algo nele que causasse terror e talvez desinteresse do seu conteúdo por parte do povo.

É claro que havia maldições proferidas nele. E quanto às bênçãos destinadas àqueles que se submetessem à sua autoridade? E quanto às promessas de Deus feitas a Abraão e à sua descendência?

Hulda profetiza o óbvio. Ela prevê o que já estava acontecendo. Ela denuncia uma idolatria que já havia sido banida. Portanto, sua profecia estava fora do prazo de validade. Para completar, Hulda aproveita para fazer uma média com o rei. Quem sabe fosse eleita o oráculo oficial do reino?
“Ao rei de Judá, que vos enviou a consultar ao Senhor, assim direis: Assim diz o Senhor, Deus de Israel, quanto às palavras que ouviste: Como o teu coração se enterneceu, e te humilhaste perante Deus, ouvindo as suas palavras contra este lugar e contra os seus habitantes, e te humilhaste perante mim, e rasgaste as tuas vestes, e choraste perante mim, também eu te ouvi, diz o Senhor. Agora te ajuntarei a teus pais, e tu serás recolhido ao teu sepulcro em paz, e os teus olhos não verão o mal que hei de trazer sobre este lugar e sobre os seus habitantes...” (vv.27-28).
Uau! Que profecia era essa? Hulda poderia escrever um livro com o título “Como transformar uma má notícia numa notícia boa?” Ela “puxa o saco” do rei, e ao mesmo tempo anuncia a sua morte. E o faz como se estivesse dando a melhor notícia de todos os tempos. Mas a reforma começada por Josias ainda estava na metade. Se ele desse crédito àquela profecia de araque, suas reformas seriam interrompidas. A quem interessaria isso?

Josias nem sequer se deu o trabalho de comentar as profecias atrapalhadas de Hulda. Chegara a hora da quinta etapa:
“Então o rei mandou reunir todos os anciãos de Judá e Jerusalém. Subiu o rei à casa do Senhor com os homens de Judá, os habitantes de Jerusalém, os sacerdotes, os levitas e todo o povo, desde o maior até o menor. Leu aos ouvidos deles todas as palavras do livro da aliança, que se tinha achado na casa do Senhor” (v. 30).
Será que Hulda assistiu de camarote? Acho que não. Quando a verdade é descoberta, ela tem que se compartilhada. E esta é a quinta etapa da reforma promovida por Josias. Não se pode ocultar a verdade por muito tempo. Não existem verdades inconvenientes.

Quem a encontrou tem o dever de compartilhá-la. Não agir assim equivale a ser infiel.

Em sua despedida dos efésios, Paulo declarou: “Portanto, hoje vos declaro que estou inocente do sangue de todos. Pois nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (At.20:26-27).
Ai de quem detém a verdade pela injustiça (Rm.1:18)! Ai dos que só anunciam a parte da verdade que lhes é conveniente, mantendo assim as pessoas na ignorância.

Após a leitura das Escrituras, Josias deu o sexto passo:
“O rei pôs-se em pé em seu lugar, e fez uma aliança perante o Senhor, para andar após o Senhor, e para guardar os seus mandamentos, e os seus testemunhos, e os seus estatutos, de todo o seu coração, e de toda a sua alma, cumprindo as palavras da aliança, que estavam escritas naquele livro” (v.31).
Não basta conhecer a verdade e compartilhá-la com os outros. É necessário comprometer-se com a verdade. Josias, diante de todo o seu povo, renovou sua aliança com o Deus da Palavra.

A verdade não nos é revelada para matar a curiosidade. Ela exige que nos comprometamos com ela nos termos da aliança proposta por Deus. Não podemos escolher apenas aquilo que nos agrada, e sim, nos submeter a toda a vontade de Deus revelada em Sua Palavra (à luz da compreensão da Nova Aliança).

Agora sim, o povo de Judá estava pronto para a sétima etapa da reforma espiritual iniciada por Josias.

Recapitulando:

1 – Busca
2 – Purificação
3 – Restauração da espiritualidade
4 – Redescoberta da verdade das Escrituras
5 – Compartilhamento da verdade
6 – Comprometimento com a verdade
7 - E finalmente, a celebração da verdade.

Redescobrindo as Escrituras, Josias e seu povo redescobriram o prazer de celebrar.

O relato bíblico diz que “Josias celebrou a páscoa ao Senhor em Jerusalém, e mataram o cordeiro da páscoa no décimo quarto dia do primeiro mês (conforme prescrevia a Lei) (...) Nunca se celebrara em Israel uma páscoa como essa, desde os dias do profeta Samuel: e nenhum dos reis de Israel celebrou tal páscoa como a que celebrou Josias com os sacerdotes e levitas, e todo o Judá e Israel que ali se acharam, e os habitantes de Jerusalém” (Cap.35, vv.1 e 18).

A Páscoa foi a primeira festa instituída por Deus em Israel. À medida que a Palavra foi negligenciada, a Páscoa e as demais festas perderam o significado original. Celebrava-se mecanicamente, só para cumprir um ritual religioso. Porém, não havia vida, fervor, alegria. Era uma celebração oca.

A verdadeira celebração emerge de consciências gratas e comprometidas com a verdade de Deus.

Vivemos dias semelhantes àqueles. As pessoas celebram o que não conhecem. Buscam experiências sensoriais extravagantes, como arrepios, histeria, etc. Porém, as pessoas não sabem o que estão celebrando.

Festas cristãs como o Natal e a Páscoa, se descaracterizam completamente. O Cordeiro Pascoal deu lugar ao coelho. As ervas amargas foram substituídas por ovos de chocolate. Jesus foi ofuscado por Papai Noel. Nossos cultos se tornaram em celebrações desprovidas de sentido. As pessoas pulam, gritam, dançam, e saem comentando: Que cultaço! Mas não se falou da cruz, do reino, da graça. Então, o que está sendo celebrado?

Estamos invertendo a ordem das coisas. Queremos começar pela celebração, quando esta nada mais é do que a coroação da busca, que teve que passar por outras etapas, como a purificação, a restauração da espiritualidade, a descoberta e o comprometimento com a Palavra, etc.

Fizemos da celebração um fim em si mesmo. Confundimos show, espetáculo, com celebração. Urge retomarmos o caminho de volta, buscando ao Senhor e restaurando nosso relacionamento com Ele. Aí sim, teremos razão de sobre para celebrar.

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