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domingo, 12 de março de 2023

A Escada do Progresso Cristão

 A escada do progresso cristão

O roteiro de Deus para o crescimento na vida cristã e no caráter


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progresso cristão
O crescimento na vida cristã sobe degrau a degrau. (Foto: Shutterstock)

O objetivo deste artigo é apresentar “o plano divino para desenvolvimento do caráter cristão”.[1] O início da vida cristã é marcado pelo arrependimento, aceitação de Jesus Cristo como Senhor e Salvador, perdão e novo nascimento pela água e Espírito Santo (Atos 2:36-38; João 3:3-5). Os que de fato nasceram de novo “foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo” (Hebreus 6:4, 5).[2] Mas, o que vem depois? “Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele” (Colossenses 2:6).

Após o batismo do Espírito, “a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (1 Coríntios 12:13). Pelo Espírito Santo, o caráter é transformado continuamente à semelhança de Jesus e produz frutos (2 Coríntios 3:18; Gálatas 2:20; 5:16-25). “A transformação começa no novo nascimento e continua até o aparecimento de Cristo” (1 João 3:2).[3] É um processo denominado “santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14).

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Mas, para crescer na graça, devemos desejar “ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele”, nos “seja dado crescimento para salvação” (1 Pedro 2:2). A Bíblia é este alimento espiritual genuíno. Ela torna o crente “sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus”. A Palavra de Deus repreende, corrige, educa e transforma (2 Timóteo 3:15-17). As Escrituras também fornecem “alimento sólido” ao diligente estudioso, tornando-o “adulto” e possivelmente, “mestre” na fé (Hebreus 5:12-14).

O poder advindo da graça

A segunda carta de Pedro é uma poderosa prova do crescimento na graça. Foi escrita pelo discípulo cujo caráter impulsivo e autoconfiante fora totalmente transformado à semelhança de Cristo. Seus leitores aceitaram a Jesus como Deus, Salvador pessoal, e confiavam em Sua imaculada justiça. “Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco obtiveram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 1:1).

Contudo, o experiente e idoso pescador desafiou-os a prosseguir e alcançar um crescimento multiplicado. “Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor” (verso 2). Nesta carta, Pedro também mostrou “o que o poder de Seu Senhor é capaz de fazer por nós”.[4] Lembrou que o Senhor deu "suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas” nos tornemos “coparticipantes da natureza divina”, livrando-nos “da corrupção das paixões que há no mundo" (2 Pedro 1:4).  

As “preciosas e mui grandes promessas” de Cristo estão na Santa Bíblia. De fato, as Escrituras não são “fábulas engenhosamente inventadas”, produto de “particular elucidação” ou “vontade humana”, pois “homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1:16-21; 2 Timóteo 3:16). Sem o Espírito e a oração não podemos compreender as Escrituras. Porém, “sempre que estudamos a Bíblia com um coração suplicante, o Espírito Santo está perto para nos abrir o sentido das palavras que lemos”.[5] E “todo aquele que procura sinceramente alcançar a vitória sobre o próprio eu se apropriará da promessa: "A Minha graça te basta" (2 Coríntios 12:9)”.[6]

O crescimento em Cristo

Pedro recomendou um plano de crescimento contínuo: “Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor” (2 Pedro 1:5-7). Este plano é divinamente reconhecido como “a escada do progresso cristão”. “O apóstolo apresenta aos crentes a escada do progresso cristão, cujos degraus representam cada qual um acréscimo no conhecimento de Deus e em cuja ascensão não deve haver parada. Fé, virtude, ciência, temperança, paciência, piedade, amor fraternal e caridade são os degraus da escada”.[7] O ensino do apóstolo não é legalista, e jamais devemos imitar os que “buscam galgar a escada do progresso cristão, mas ao avançarem, começam a pôr a confiança na capacidade humana, e logo perdem de vista a Jesus”.[8]

Note que a escada inicia com a fé em Cristo, e termina com o amor a Cristo. Só podemos subir pela fé “que atua por amor” (Gálatas 5:6), “um subir pelos méritos de Cristo”.[9] Ele é a escada (Gênesis 28:12, 13; João 1:51). “Indicai aos jovens a escada de oito degraus de Pedro, e ponde-lhes os pés, não no último degrau, mas no primeiro, e com fervor pedi-lhes que subam até o último. Cristo, que une a Terra e o Céu, é a escada”.[10] E “vocês não devem pensar que precisam esperar até haver aperfeiçoado uma graça para depois cultivar outra. Não; elas devem crescer juntas, alimentadas pela fonte do amor”.[11]

(1) “associai com a vossa fé a virtude” (2 Pedro 1:5). O termo arete traduzido por virtude significa “bondade” e “excelência”.[12] “O pensamento de Pedro pode ser assim parafraseado: “em conexão com a vossa fé, acrescentai excelência moral”.[13] A transformação do caráter de Pedro foi obra do Espírito Santo (Mateus 26:75; João 14:16, 17; 21:15-19). “Pelo poder do Espírito Santo deve a imagem moral de Deus ser aperfeiçoada no caráter”.[14] A propósito, “não há um impulso de nossa natureza, nem uma faculdade do espírito ou inclinação do coração, que não necessite ser direcionado a todo instante pelo Espírito de Deus”.[15]

(2) “com a virtude o conhecimento” (verso 5). Pelo conhecimento de Deus e de Jesus, foi-nos dado “tudo o que diz respeito à vida e piedade” (2 Pedro 1:13)”.[16] Este conhecimento vem pela comunhão: estudo da Bíblia, oração, e resulta em obediência de amor à Palavra, e a santa Lei de Deus (João 8:32; 14:6; 17:3, 17; 1 João 2:4). Envolve “o conhecimento da verdade como é em Jesus, conhecimento do grande plano da salvação”.[17] Pelo conhecimento e apego à verdade em Cristo, não seremos mais “como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina”, pois, “seguindo a verdade em amor”, cresceremos “em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Efésios 4:14,15).

(3) “com o conhecimento, o domínio próprio” (2 Pedro 1:6).[18] Domínio próprio, do grego egkrateia, significa autocontrole, ou temperança. Uma pessoa temperante “em tudo se domina” (1Coríntios 10:25). Isso inclui “qualquer coisa” ou “tudo” que fizermos. “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para glória de Deus” (2 Coríntios 10:31). Os antediluvianos “comiam, bebiam, e davam-se em casamento”, mas para sua própria destruição (Mateus 24:38, 39). “O mesmo aconteceu nos dias de Ló” e: “Assim será no dia em que o Filho do Homem se manifestar” (Lucas 17:28-30).

“A intemperança jaz à base da depravação moral do mundo”.[19] Por isso: “A verdadeira temperança requer total abstinência de bebida forte. Pede também reforma nos hábitos dietéticos, no vestir, no dormir”.[20] Logo: “Um homem intemperante, que usa estimulantes - cerveja, vinho, bebidas fortes, chá (estimulante) e café, ópio, fumo e qualquer dessas substâncias deletérias à saúde - não pode ser homem paciente. Assim, a temperança é um degrau da escada em que devemos pôr os pés antes de acrescentar a graça da paciência”.[21]

(4) “com o domínio próprio, a perseverança” (verso 6). O fiel remanescente bíblico dos últimos dias é conhecido por sua perseverança e paciência (Apocalipse 14:12). “Os que, depois de reconhecerem seus erros, tiverem coragem para reformar seus hábitos, hão de experimentar que o processo de reforma exige lutas e muita perseverança”.[22] Mas a vitória virá pelo “contínuo auxílio de Jesus, resoluta decisão, inflexível propósito, constante vigilância e incessante oração”.[23] “Ninguém fará qualquer progresso para o alto sem perseverante esforço. Aquele que quiser vencer tem de apegar-se a Cristo”.[24]

(5) “com a perseverança, a piedade” (verso 6). A palavra grega traduzida por piedade é eusebeia (1Timóteo 2:2, 10; 3:16; 4:7, 8; 6:3). Implica em ser “bem reverente, devoto e piedoso”.[25] Ela “designa a atitude religiosa no sentido mais profundo, a verdadeira reverência a Deus que advém do conhecimento dEle”.[26] É abrangente, pois envolve “uma consciência muito prática de Deus em todos os aspectos da vida”.[27] Como resultado, esta qualidade “impede o cristão de se tornar farisaico, mantendo-o humilde, e gentil”.[28]

(6) “com a piedade, a fraternidade” (versos 7). “Amai a fraternidade” (1 Pedro 2:17, ARC). O termo grego é philadelphia. Significa “amor entre irmãos”.[29] Mas “a grande verdade da fraternidade humana” envolve toda humanidade, pois Deus “fez todos de um só” (Atos 17:26, 27).[30] “À vista de Deus todos são iguais”.[31] Nosso maior exemplo é Cristo. “Nenhuma questão política Lhe influenciava a maneira de agir. Não fazia diferença alguma entre vizinhos e estranhos, amigos e inimigos. O que tocava Seu coração era uma alma sedenta pelas águas da vida”.[32] “O Salvador misturava-Se com os homens como uma pessoa que lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por eles, atendia-lhes às necessidades e conquistava-lhes a confiança. Ordenava então: "Segue-Me".[33]

(7) “com a fraternidade, o amor” (verso 7). O termo grego para caridade é ágape.“O maior destes é o amor” (1 Coríntios 13:13).“O crescimento espiritual começa com a fé, nossa primeira reação ao evangelho, e culmina com o amor, a maior de todas as virtudes.[34] O amor de Deus em nós resulta no “cumprimento da lei” (Romanos 13:10; 1João 5:3), e evidencia a perfeição cristã (Mateus 5:44-48).[35] O amor pratica “atos de beneficência”[36] (Atos 2:45, 46; 4:32, 36; 9:36; 20:33-35), ao ponto do “auto sacrifício pelo bem da pessoa amada”.[37]

A seguir o apóstolo declara duas poderosas convicções. (1) “Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus” (2 Pedro 1:8). “Pois aquele a quem estas coisas não estão presentes é cego” (verso 9). Em vez de presunçosamente afirmarmos que “nos sentimos salvos”, “com diligência cada vez maior”, confirmemos nossa “vocação e eleição” “pois desta maneira” nos “será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (versos 10, 11). Lembremos das seguintes promessas:

“Não há possibilidade de fracasso para aquele que, avançando pela fé, ascende degrau a degrau, sempre para cima e para a frente, em direção ao último degrau da escada que alcança os próprios portais do Céu”.[38] “Se os homens lançarem mão da natureza divina, trabalhando num plano de adição, acrescentando graça a graça no aperfeiçoamento do caráter cristão, Deus agirá num plano de multiplicação.[39] Lembre-se, você é “responsável pela realização de um diário crescimento na graça”.[40] Assim, pela graça de Deus subamos degrau a degrau “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus” (Hebreus 12:2).


Referências:

[1]WHITE, Ellen G. Atos dos apóstolos, 9ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 529. A seguir: Atos dos apóstolos.

[2]Salvo quando indicado, a versão usada neste artigo é a João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada, 2ª ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

[3]NICHOL, Francis D. ed. em inglês; DORNELES, Vanderlei, ed. em português. Comentário bíblico adventista do sétimo dia, 1ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014, v. 7, p. 653. A seguir: Comentário bíblico adventista do sétimo dia.

[4]Ibidem, v. 7, p. 652.

[5]WHITE, Ellen G. “Search the Scripture”, Advent Review and Sabbath Herald, Battle Creek, MI, Review and Herald Publishing Association, 9 de outubro de 1883, p. 626.

[6]_______. “The transforming grace of God”, Advent Review and Sabbath Herald, Battle Creek, MI, Review and Herald Publishing Association, 10 de junho de 1884, p. 329.

[7]Atos dos apóstolos, p. 530.

[8]Ibidem, p. 532.

[9]WHITE, Ellen G. Cristo triunfante, MM 2002, Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, p. 87.

[10]_______. Conselhos sobre educação, 3ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, p. 147 [133]. A seguir: Conselhos sobre educação

[11]“Comentários de Ellen G. White” em Comentário bíblico adventista do sétimo dia, v. 7, p. 1051.

[12]Ibidem,p. 652.

[13]Ibidem, p. 654.

[14]WHITE, Ellen G. E recebereis poder, MM 1999, p. 25.

[15]_______. Eventos finais, 1ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012, p. 40.

[16]Atos dos apóstolos, p. 531.

[17]WHITE, Ellen G. Nossa alta vocação, MM 1962, p. 66. A seguir: Nossa alta vocação.

[18]Bíblia Almeida Revista e Corrigida, 12ª ed. Santo André, SP: Geográfica Editora, 2009. A seguir: ARC.

[19]_______. A ciência do bom viver, 10ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 335. A seguir: A ciência do bom viver.

[20]_______. Temperança, 3ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012, p. 196.

[21]Nossa alta vocação, p. 67.

[22]WHITE, Ellen G. Conselhos sobre regime alimentar, 12ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012, p. 127.

[23]WHITE, Ellen G. Testemunhos seletos, 5ª ed. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985, v. 2, p. 114.

[24]Conselhos sobre educação, p. 147, 148 [133, 134].

[25]STRONG, James, ed. “Diccionário de las palabras griegas”, em Nueva concordância strong exhaustiva, Nashville: Grupo Nelson, 2003, item 2152, p. 37.

[26]KELLY, J. N. D. I e II timóteo e tito, 1ª ed. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1983, p. 65.

[27]GREEN, Michael. II pedro e judas, 1ª ed. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1983, p. 66.

[28]Comentário bíblico adventista do sétimo dia, v. 7, p. 654.

[29]Ibidem.

[30]Atos dos apóstolos, p. 238.

[31]Ibidem.

[32]A ciência do bom viver, p. 25.

[33]WHITE, Ellen G. Obreiros evangélicos, 5ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011, p. 363.

[34]Bíblia de Estudo Andrews, Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015, p. 1626. A seguir: Bíblia de Estudo Andrews.

[35]Ibidem, p. 1626.

[36]DAVIS, John. Dicionário da Bíblia, 9ª ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1983, p. 106.

[37]Comentário bíblico adventista do sétimo dia, v. 7, p. 654.

[38]Atos dos apóstolos, p. 533.

[39]Conselhos sobre educação, p. 148 [134].

[40]WHITE, Ellen G. Conselhos sobre saúde, 4ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 244.

Wilson Borba

Wilson Borba

Sola Scriptura

As doutrinas bíblicas explicadas de uma forma simples e prática para o viver cristão.

Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), campus São Paulo. Possui mestrado e doutorado na mesma área pelo Unasp, campus Engenheiro Coelho, e pela Universidade Peruana Unión (UPeU). Ao longo de seu ministério foi pastor distrital, diretor de departamentos, professor e diretor de seminários de Teologia da Igreja Adventista na América do Sul. Atualmente serve como pastor distrital no interior de São Paulo.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Predestinação ou liberdade de escolha?

 

Predestinação ou liberdade de escolha?

Entenda o que a Bíblia diz a respeito de predestinação e livre arbítrio.


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A palavra de Deus é imutável, mesmo que tradições e o tempo tentem mudá-la (Foto: Shutterstock)

O Senhor e Salvador Jesus Cristo fez com que o povo deixasse as tradições para se voltar às Escrituras - à Lei e os Profetas (João 7:16; Mateus 4:4, 10; 5:18; 15:1-9; Lucas 24:27, 44). Seus apóstolos assim também procederam (Atos 3:24; 24:14; 26:27; Romanos 3:21; 2Timóteo 3:16). Eles pregaram o evangelho bíblico e eterno, pois qualquer outro é “anátema” (Apocalipse 14:6; Gálatas 1:8, 9). Mas falsos ensinos penetraram no cristianismo a partir da Patrística, período após a morte dos apóstolos, cujos ensinadores têm sido denominados “Pais da Igreja”. Esses teólogos, e também os medievais, “olhavam geralmente para a filosofia e para a literatura grega como precursores, preparadores e pronunciadores da teologia cristã”.[1]

Assim, a teologia bíblica foi negligenciada. A propósito, “o grande erro da Igreja Católica reside no fato de que a Bíblia é interpretada à luz das opiniões dos ‘pais’".[2] Já os reformadores do século XVI adotaram a Sola Scriptura, tomando “a Sagrada Escritura como fonte única para julgar a ortodoxia da fé”.[3] Logo, “enquanto a igreja medieval se baseava nos escritos dos “pais da igreja e dos concílios", os reformadores adotaram os escritos dos “apóstolos e profetas”.[4]

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Lutero “atacava a incredulidade especulativa dos escolásticos, e opunha-se à filosofia e teologia que durante tanto tempo mantiveram sobre o povo a influência dominante.”[5] Mas a despeito da Reforma Protestante trazer o povo de volta à Bíblia, erros filosóficos da Patrística influenciaram reformadores como Lutero e Calvino. Por exemplo, Agostinho de Hipona (354 d.C.-430 d.C.), por meio de especulação filosófica, apegara-se ao conceito grego da atemporalidade do ser mantido por Parmênides (50-470 a.C.), e Platão (427-347 a.C.).[6]

Os gregos identificavam “a eternidade com a atemporalidade”[7], e concebiam o ser verdadeiro “como algo que existe em um eterno presente, sem passado, e sem futuro, sem ontem e sem amanhã”.[8] Para aqueles filósofos, “a verdadeira realidade é aquela que existe toda junta, sem sucessão nem mudança”.[9] Agostinho, baseado na filosofia grega, afirmou em Confissões que a eternidade é “imutável”, “imóvel”, “nada passa, pois o todo é plenamente presente”.[10] Sobre os anos de Deus, Agostinho também escreveu: “Teus anos permanecem juntos, são imóveis... Teus anos são um dia, e o Teu dia não segue em repetição, é sempre hoje, pois o Teu hoje não dá lugar para o amanhã, nem substitui o ontem. O Teu hoje é Eternidade.”[11]

Além do tempo

As Escrituras, porém, afirmam a temporalidade de Deus, declarando que antes da criação da Terra havia tempo, dias e anos (Jó 36:26; Daniel 7:9, 13; Miqueias 5:2; Tito 1:2; Hebreus 1:10-12). “A temporalidade de Deus significa, que em sua eternidade, a vida e a ação de Deus acontece na ordem da sucessão de passado, presente e futuro”.[12] Aqueles que se apegam à visão filosófica grega da atemporalidade torcem 2Pedro 3:8, pois o apóstolo Pedro não ensina esse falso conceito. O apóstolo simplesmente afirma o mesmo que Eliú. O número dos anos de Deus “não se pode calcular” (Jó 36:26), isto é, o “caráter infindável do tempo de Deus”.[13] Deus vive no tempo como nós, seres criados. A diferença é que enquanto somos mortais e passageiros, Deus sempre foi e sempre será eterno e imortal (1Timóteo 1:17).

A propósito, Canale fez uma investigação exaustiva do paralelismo de Êxodo 3:14, 15, em que o “Ser de Deus aparece em extensão temporal nos três modos de tempo (passado, presente, e futuro)”.[14] Ele afirma corretamente: “Um Deus atemporal é um Deus impotente, que não pode agir historicamente dentro do movimento da história”.[15] Em acordo, Gulley lembra que Deus é um ser relacional (1João 4:8), e que “um Deus relacional não é um Deus atemporal”.[16]

Pelo conceito de que a divindade habitaria em eterna atemporalidade, Agostinho influenciou a teologia romana, pois, “de acordo com a teologia católica romana, o ser de Deus é atemporal e não espacial (eterno e espiritual)”.[17]Agostinho também preparou o caminho para a doutrina protestante de que por um decreto na eternidade atemporal e imutável, Deus justificou e predestinou de modo eterno e imutável um indivíduo para a salvação.

A propósito, “Lutero entendeu a realidade de Deus seguindo a filosofia grega. Deus não vive ou atua na sequência de passado, presente e futuro”, mas em um “momento” atemporal “instantâneo”.[18]  Lutero cria firmemente na ideia da predestinação ao ponto de falar da justificação como um evento terminado.[19]E Calvino ensinou predestinação dupla, para a salvação ou para perdição, afirmando que Deus “designou de uma vez para sempre, em seu eterno e imutável desígnio, àqueles que ele quer que se salvem, e também aqueles que quer que se percam”.[20]

Decisões e consequências

Para John Wesley, esta doutrina destrói todos os atributos de Deus, pois “subverte a sua justiça, a misericórdia e a verdade; sim, ela representa o mais santo Deus como pior do que o demônio, mais falso, mais cruel e mais injusto”.[21] De fato, esta visão catastrófica de determinismo divino “insiste em que Deus é a causa final que determina as ações humanas”.[22] Ela destrói o livre arbítrio e a responsabilidade humana. Enquanto muitos rejeitam um Deus assim, multidões se entregam a uma fatal ilusão presunçosa de “total segurança da salvação final. A pessoa predestinada pelo decreto soberano de Deus não podia perder-se”.[23]

A Bíblia, porém, afirma claramente que Deus “não faz acepção de pessoas” (Atos 10:34). Ele deseja que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade”, inclusive o “principal dos pecadores” (1Timóteo 2:4; 1:15). Ele “não quer que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pedro 3:9). Cristo, em sacrifício voluntário, “a si mesmo se deu em resgate por todos” (1Timóteo 2:6), provando “a morte por todo homem” (Hebreus 2:9). Com certeza Ele “pode salvar totalmente os que por Ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hebreus 7:25). Por isso, comissionou Seus discípulos a irem “por todo o mundo” pregar “o evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15).

Liberdade de escolha

Ao estudar predestinação, deve-se incluir a presciência divina, a providência do evangelho eterno, o livre arbítrio humano, e as consequências de suas escolhas. Presciência, ou conhecimento antecipado, não é o mesmo que predestinação ou predeterminismo (Isaías 46:9, 10; 44:6-8; Atos 2:23; Romanos 11:2). No sentido bíblico, a predestinação se refere especificamente ao plano divino da salvação estabelecido antes da fundação do mundo[24] (1Pedro 1:18-20; Romanos 16:25, 26; Apocalipse 14:6). “Deus escolhe os eleitos em sua providência, não em sua predestinação”[25] (Efésios 1:11, 12), pois predestinou apenas a missão de Cristo, não causando os acontecimentos conhecidos em Sua presciência.[26] Segundo a doutrina bíblica do santuário, “Deus não realiza a salvação de indivíduos na eternidade antes da fundação do mundo, mas “através da mediação histórica de Cristo”[27] (Hebreus 8, 9).

Ele não força a vontade, mas permite nossas escolhas (Salmo 37:5; Provérbios 23:26; Isaías 1:19; 55:1; Apocalipse 3:20). A Bíblia declara várias vezes que foi Faraó que endureceu seu próprio coração (Êxodo 7:22; 8:15, 19; 9:35), o que também pagãos reconheceram (1Samuel 6:6). Mas por que a Bíblia diz que Deus endureceu o coração de Faraó, enquanto diz que ele mesmo se endureceu, não obstante as provas de que Deus realmente falara a ele?  (Êxodo 9:12; 10:1, 20, 27). “Deus deixa que os que se rebelam colham as consequências de suas ações. Deus poderia haver intervido, de modo que as consequências nunca seriam manifestadas, mas não fez. Nesse sentido, o Senhor era responsável por elas”.[28]

Assim foi o caso de Caim, Balaão, Esaú, Saul, Judas. O fogo eterno foi preparado para o diabo e seus anjos (Mateus 25:41). Infelizmente, seres humanos serão destruídos, porque assim como os habitantes de Sodoma, escolhem “viver impiamente” (2Pedro 2:6, Judas 7; Apocalipse 21:8). Algumas citações: “Não é que Deus mande um decreto para que o homem não se salve. Mas o homem resiste a princípio a um movimento do Espírito de Deus e, havendo uma vez resistido, é menos difícil assim fazer pela segunda vez, menos a terceira, e muito menos a quarta. Então vem a colheita a ser ceifada, da semente de incredulidade e resistência”.[29] “Sob a influência do Espírito de Deus, o homem é deixado livre para escolher a quem há de servir”.[30] “Deus elegeu um caráter de acordo com Sua lei, e qualquer que atinja a norma que Ele exige, terá entrada no reino de glória”.[31] “Não há eleição senão a própria, pela qual alguém possa perecer”.[32] “As providências tomadas para a redenção são franqueadas a todos; os resultados da redenção serão desfrutados por aqueles que satisfizeram as condições”.[33]

Conclui-se que o ensino da predestinação divina de seres humanos para a salvação, ou para a perdição, é falso e está em frontal oposição às Escrituras Sagradas. "Cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus" (Romanos 14:12)”. Portanto, “temos liberdade para escolher ser polidos ou permanecer sem polimento”.[34] “Assim, pois, como diz o Espírito Santo: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração” (Hebreus 3:7,8). “Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Apocalipse 2:10), pois “Aquele, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mateus 24:13).     


Referências:

[1]E. E. Zinke, Abordagens da teologia e dos estudos bíblicos, Brasília: Divisão Sul-Americana, 1979, p. 5.

[2]Ellen G. White, Fundamentos da educação cristã, 1ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 308.

[3]Josef Lenzenweger; Karl Amon Stockmeier; Rudolf Zinnhobler, Historia de la iglesia católica,  Barcelona: Editorial Herder, 1989, p. 374.

[4]Ellen G. White, O grande conflito, 43ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 208.

[5]Ibidem, p. 126.

[6]Raúl Kerbs, El problema de la identidade bíblica del cristianismo, 1ª ed. Libertador San Martin, Argentina: Universidad Adventista del Plata, 2014, p. 79, 102, 105, 106.

[7]Ibidem, p. 655.

[8]Ibidem.

[9]Ibidem.

[10]Agostinho, Confissões, 1ª ed. Jandira, SP: Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda, 2019, capítulo XI, p. 221.

[11]Ibidem, capítulo XIII, p. 222.

[12]Fernando Canale, Princípios elementares da teologia cristã, 1ª ed. Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2018, p. 80. A seguir: Canale, Princípios elementares da teologia cristã.

[13]Oscar Culmann, Christ and time: the primitive christian conception of time and history. Philadelphia: Westminster Press, 1964, p. 69.

[14]Fernando Luis Canale, Toward a Criticism of Theological Reason: Time and Timelessness as Primordial Presuppositions, Tese PhD, Andrews University, (1983), p. 362.

[15]Canale, Princípios elementares da teologia cristã, p. 81.

[16]Norman R. Gulley, Sistematic theology God as Trinity, Berrien Springs, MI: Andrews University, 2011, v. II, p. 177.

[17]Fernando Canale, ¿Adventismo secular?, 1ª ed. Lima: Universidad Peruana Unión, 2012, p. 38.

[18]Ibidem, p. 39.

[19]Raoul Dederen, ed. Tratado de teología adventista, 1ª ed. Buenos Aires: Casa Editora Sul-Americana, 2009, p. 346. A seguir: Tratado de teologia adventista.

[20]Agostinho, Livro III, capítulo 21, p. 393.

[21]John Wesley, Coletânea da teologia de joão wesley, compilado por Robert W. Burtner e Robert E. Chiles, 2ª ed., Rio de Janeiro: Instituto Metodista Bennett, 1995, p. 46.

[22]Norman Geisler, Enciclopédia de apologética, São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 253.

[23]Tratado de teología adventista, p. 346.

[24]Canale, Princípios elementares da teologia cristã, p. 146.

[25]Ibidem, p. 154.

[26]Ibidem, p. 151.

[27]Ibidem, p. 155.

[28]George R. Knight, Por la ruta de romanos. Nampa, ID: Pacific Press Publishing Association, 2003, p. 237.

[29]Ellen G. White, Testemunhos para a igreja, 1ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, vol. 5, p. 120.

[30]________, O Desejado de Todas as Nações, 22ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 466.

[31]_______, Patriarcas e profetas, 16ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 207.

[32]Ibidem.

[33]Ibidem, p. 208.

[34]Ellen G. White, O cuidado de Deus: Meditação Matinal. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1995, p. 130.

Wilson Borba

Wilson Borba

Sola Scriptura

As doutrinas bíblicas explicadas de uma forma simples e prática para o viver cristão.

Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), campus São Paulo. Possui mestrado e doutorado na mesma área pelo Unasp, campus Engenheiro Coelho, e pela Universidade Peruana Unión (UPeU). Ao longo de seu ministério foi pastor distrital, diretor de departamentos, professor e diretor de seminários de Teologia da Igreja Adventista na América do Sul. Atualmente serve como pastor distrital no interior de São Paulo.

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